terça-feira, 9 de outubro de 2012

As Relações Bangladesh-Índia

Países pequenos e pobres costumam ter um grande medo no que tange à política externa: ser engolido por seus vizinhos maiores. O caso do Bangladesh é bastante representativo nesse sentido, já que o pequeno país asiático está praticamente cercado pela Índia, à exceção de uma curtíssima faixa fronteiriça com Mianmar e seu pequeno litoral para o Golfo de Bengala. Desta forma, o governo bengali é obrigado a manter relações com o gigante vizinho - mas estas relações nem sempre são boas, e costumam ter um padrão de "ziguezague" ao sabor do partido que controla o parlamento de Bangladesh.

Tradicionalmente, os dois partidos mais fortes de Bangladesh são o Awami League (AL) e o Bangladesh Nationalist Party (BNP). O primeiro é de centro-esquerda, com cunho mais secular e com ideais étnico-nacionalistas (Bengali), enquanto o segundo tem ideais de centro-direita, mais conservadores e ligados à prática do islamismo. Além disso, ambos diferem fundamentalmente sobre Política Externa: o Awami League procura uma relação mais amigável com a Índia, enquanto o BNP, dada sua tradição muçulmana, é mais próximo ao Paquistão.



Mapa de Bangladesh: Destaque para a fronteira quase total com a Índia e os rios Ganges e Brahmaputra.
A alternância de poder entre estes dois partidos, impede que questões chaves entre os vizinhos sejam solucionadas. Esses problemas atrapalham estes países, como toda a região. Por não conseguir ajustar sua relação com a Índia e, o Bangladesh gasta tempo e recursos que poderiam ser empregados para outras questões prioritárias. A Índia, por sua vez, tem que gastar atenção com mais uma fronteira problemática - a outra é com o Paquistão - para controlar imigração ilegal e contrabando de armas e equipamentos para grupos separatistas e/ou terroristas.

O Bangladesh por si só já tem problemas em demasia. O país tem uma densidade demográfica de - pasmem - 1033,5 habitantes/km² e um PIB per capita de apenas US$ 735,00 anuais, o segundo pior da Ásia. Devido a isso, a pressão social é extremamente grande e muitos bengali emigram para outros países, em especial, a Índia. Estima-se que haja pelo menos 10 milhões de cidadãos de Bangladesh vivendo ilegalmente no país vizinho. O governo de Nova Delhi, por motivos óbvios, trata esta situação com imensa gravidade, enquanto Daca acaba por fazer vistas grossas: além de ter um "alívio" populacional de milhões de pessoas, o país recebe remessas de seus nativos, que cumprem importante papel na renda nacional.


Outro grande problema entre os dois países concerne aos regimes fluviais dos rios Ganges e Brahmaputra. Ambos passam pela Índia, se juntam em um único corpo d'água e desaguam no golfo de Bengala, já em território bengali.  Os tratados de uso e poluição das águas têm sido fonte de atrito, uma vez que os rios chegam em Bangladesh já poluídos e com fluxo de água modificado pelos sistemas de irrigação indianos. Bangladesh reivindica regulação do uso dos rios para uso urbano e rural de maneira que possa aproveitar melhor suas águas - tanto para consumo, quanto para desenvolvimento de atividades econômicas.


O terceiro pilar problemático é o déficit comercial de Bangladesh. O pequeno país exporta quase que exclusivamente têxteis para a Índia, enquanto necessita comprar toda a sorte de produtos industrializados. Os acordos de livre-comércio da OMC impedem que Bangladesh imponha tarifas alfandegárias sobre produtos indianos, enquanto não impeçam a Índia de proteger sua agricultura e sua indústria trabalho-intensiva com subsídios que aumentam ainda mais o gap comercial.


Por fim, o nível de falência do Estado de Bangladesh - 29° pior do mundo - leva a problemas de fiscalização de fronteiras e consequente instalação de grupos criminosos no país. Dos mais variados tipos, desde organizações terroristas islâmicas até os mais diversos tipos de tráfico - como de drogas e pessoas. Tais grupos ameaçam a Índia de maneira direta e indireta: diretamente, por meio grupos anti-governo ou separatistas indianos se refugiam e montam suas bases em território bengali, inclusive montando pequenos grupos de guerrilha. De maneira indireta, traficantes de armas, drogas e pessoas vindos de Bangladesh usam a Índia como rota, dada a dificuldade do governo de Daca de fiscalizar as fronteiras.



Imagem da Capital de Bangladesh, Daca. O país é extremamente povoado, gerando uma pressão social imensa para emigração.
O partido anti-Índia em Bangladesh (BNP) deve analisar a parceria com esse vizinho de maneira mais pragmática, para que o país não perca durante seus momentos no poder. É impossível ignorar a presença de um alguém tão grande e, mais ainda, caminhar em direção a uma inimizade com um país tão mais poderoso. O Estado bengali, por sua vez, deve criar e fortalecer instituições que tragam estabilidade nas relações com Nova Delhi, como acordos de longo prazo, pactos celebrados em organizações internacionais e dar independência à atuação do corpo diplomático em relação a ideologia partidária que estiver no governo. A estratégia atual é buscar por outros parceiros grandes no Ocidente, no Oriente Médio e na própria Ásia - infelizmente, isso não substitui as benesses de uma aproximação com a Índia.

A cooperação entre Estados podem ser jogos de soma maior que zero, mas para tanto deve ser pautada pelo interesse de todos e feita com simetria dentro das possibilidades dos países. Bangladesh e Índia têm grandes diferenças em termos de território, economia e até mesmo relevância no cenário internacional, contudo as questões comuns e a vizinhança podem fazer com que a união de ambos solucione problemas de maneira mais eficiente, liberando recursos para resolução de outras situações problemáticas ainda mais graves, como o subdesenvolvimento latente, tanto para a Índia quanto para Bangladesh.


* Revisão por Letícia Simões Gomes e Marília Ramos

domingo, 30 de setembro de 2012

Quem ganha com a Rússia na OMC?

No mês de julho de 2012, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou um acordo com a Organização Mundial do Comércio para o país ser o 156° membro da organização. Das 20 maiores economias do planeta, a Rússia era a única que ainda não fazia parte da OMC desde a entrada da China em 2001. O acordo, contudo, prevê um período de acomodação de alguns anos, com queda nas tarifas alfandegarias médias e liberalização de determinados setores da economia para capital estrangeiro.


Após 17 anos de negociações,  a Rússia finalmente se torna membro da Organização Mundial de Comércio.
Os consumidores - e empresas enquanto consumidoras - em geral, ganham. A economia russa tem girado em torno e dependido primordialmente de seus recursos minerais para exportação, enquanto compra bens de consumo de fora ou os produz de maneira pouco eficiente. A diminuição de tarifas fará com que estes bens importados, especialmente vindos da União Européia, tornem-se mais baratos para a população como um todo. A entrada de produtos vindos de fora a preços menores também serve como ferramenta para continuar a manutenção dos índices de inflação.

Putin espera que essa diminuição dos preços faça com que as camadas médias e altas da Rússia passem a ter maior sobra de dinheiro para investir e consumir mais. Além disso, ele espera atrair investimento externo  através da adequação às normas da OMC,  sinalizando confiança e estabilidade para os investidores. Assim, é esperado que o país desenvolva alguns setores pouco complexos economicamente e melhore sua infra-estrutura no médio prazo, inclusive tornando suas exportações mais competitivas.


Os produtores de commodities serão pouco afetados pelas regras da OMC, visto que a organização pouco regula o comércio de produtos primários ao redor do mundo. O máximo que poderia acontecer seria a redução de subsídios porém, como a produção russa no setor já é muito eficiente, é provável que o país continue a exportar muito petróleo, gás natural e derivados para os outros países europeus. O setor de armas, outro ponto forte das exportações russas, não é contemplado pela Organização.

A priori, a ampliação do livre-comércio na Rússia - com diminuição de tarifas, maior liberalização do comércio e diminuição do peso do Estado na economia - é vista de maneira louvável pelos economistas em geral. Todavia, há vozes dissonantes, tanto internas quanto externas, que acreditam que pouco irá mudar para o povo russo, ou que ainda as medidas podem levar o país a problemas de ordem socioeconômica, como desemprego. É preferível fazer uma análise mais específica, e verificar quais grupos ou países ganham e quais perdem com uma maior abertura comercial de Moscou.


Plataforma de extração de gás da Gazprom, gigante estatal da Rússia no setor. Empresas de gás e petróleo não serão tão afetadas pelos acordos comerciais com a OMC.
E do lado de fora? Os parceiros comerciais da Rússia, em especial a União Européia, comemoram. A queda nas barreiras alfandegárias abre outro mercado de mais de 140 milhões de pessoas ávidas para consumir e sem um setor produtivo eficiente. O estímulo para o crescimento vem a calhar num momento de crise intensa no continente. China, Estados Unidos e outros países exportadores de produtos industrializados também vão aumentar suas fatias no mercado russo.

Contudo, nem tudo são flores. Alguns industriais russos, especialmente do já citado setor de bens de consumo, devem sofrer pesadas consequências. O parque obsoleto - com algumas plantas da era soviética - e a mão-de-obra relativamente cara em comparação a trabalhadores de mesma qualificação ao redor do mundo, tornam alguns setores industriais extremamente ineficientes, como é o caso do setor automobilístico. A entrada massiva de produtos estrangeiros fará com que estas empresas não se sustentem deixem de existir em algum momento, elevando da taxa de desemprego. Percebemos, então, porque a principal voz opositora da entrada na OMC dentro da Rússia é o Partido Comunista, ligado a sindicatos e ao operariado em geral.



Os carros Lada se tornaram símbolo da ineficiência da indústria russa de bens de consumo.
Nesse aspecto, a Rússia tem um enorme desafio: como reacomodar a economia após o desmantelamento das sobras das indústrias de bem de consumo - com a renda extra vinda da economia dos consumidores e empresas que pagarão menos por importados - e, ainda, aumentar o índice de crescimento do PIB que está girando por volta de 2% ao ano. A principal urgência é evitar taxas altas de desemprego, para manter o consumo em níveis estáveis, e tentar evitar falências abruptas, afim de que o setor industrial de bens consiga "se transformar" em outros setores mais eficientes e condizentes com as "vantagens comparativas" russas. Tudo isso demora e não é um processo tranquilo.

A análise de ganhos e perdas feita acima é bastante simples. Mas passa uma mensagem importante: em economia, especialmente em comércio internacional, não há ganhos e perdas absolutos. Há grupos que ganham e grupos que perdem e assim será na Rússia. Os ganhos, aparentemente, parecem maiores que as perdas, principalmente no longo prazo, com a economia já acomodada. O curto prazo é mais perigoso. Uma mudança deste tamanho gera impactos expressivos na economia e, por conseguinte, perdas expressivas para alguns setores, que devem ser minimizadas.

Politicamente, a Rússia fez o que tinha que fazer. Parece cada vez mais inserida e disposta a uma integração global. Agora precisa trabalhar para mostrar que do ponto de vista econômico a decisão também foi acertada.


* Revisão por Letícia Simões Gomes e Marília Ramos

terça-feira, 15 de maio de 2012

Entre a Rússia e a Europa

A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas não apenas deixou de existir como eixo político socialista e potência mundial. Deixou de existir como estado único, deixando como herança um sucessor e diversos outros estados menores, tanto na Europa, quanto na Ásia Central. Dentre estes estados menores, os primeiros a conquistarem independência foram as três repúblicas bálticas: Letônia, Estônia e Lituânia.


Mapa das três repúblicas do Báltico, com suas capitais.

Hoje, mais de 20 anos depois da separação formal, os dilemas de política externa das três repúblicas continuam parecidos: tentar fugir da esfera de influência russa e se inserir dentro do contexto de unidade europeu. É natural que estes países busquem uma aproximação política maior com a Europa, porque são tradicionalmente mais europeus do que russos do ponto de vista cultural e histórico. E em segundo lugar, porque todas as dominações russas que houveram nestes três países nos últimos dois séculos, principalmente, foram bastante traumáticas e deixaram marcas profundas na sociedade.

A Lituânia foi um reino independente e católico pelo menos desde os anos 1300, e nos séculos seguintes formou uma união com a Polônia, até ser dominada pelo Império Russo no final século XVIII. A Letônia não gozou de tamanha autonomia no período, tendo sido dominada por teutônicos e pelos próprios lituanos, até a invasão russa. A Estônia por fim, desde a idade média teve grandes disputas em seu território, travadas por escandinavos, russos e outros países da Europa Oriental.

Ou seja, durante um período de por volta de 450 anos, as região onde estão localizadas as repúblicas bálticas e suas etnias se relacionaram muito mais com países europeus - sejam relações para o bem ou para o mal - do que com seus vizinhos russos, que durante a maior parte deste período também organizava-se como estado internamente. Somente nos últimos 200 anos, aproximadamente, é que a Rússia teve um papel central dentro da vida destes pequenos países.

Vista da cidade de Tallinn, capital da Estônia.

O panorama histórico abre dois caminhos. O primeiro é a proximidade cultural com a Europa, construída durante estes anos de relação com países do continente, e o segundo é o impacto que a dominação russa recente causou nestas sociedades. Na Lituânia, além da maioria da população ser de etnia lituana mesmo, mais de 80% da população é católica, uma religião tipicamente européia. Na Letônia, a maioria étnica (62%, aproximadamente) também é letã, e a maioria religiosa é cristã protestante e católica. Por fim, os estonianos compõem 68,1% dos grupos étnicos da Estônia, enquanto que a situação religiosa do país é bastante singular, com um índice de ateus altíssimo. Dentre os religiosos, protestantes são maioria seguidos de perto por ortodoxos.

Além da proximidade já comprovada com os países à oeste, a aversão que os bálticos tem em relação a Rússia é bastante justificada. Desde os períodos de dominação do Império Russo, passando por União Soviética, os governo de São Petersburgo e Moscou trataram a região com mão de ferro, com destaque para o processo de russificação: a transferência de russos para região e de locais para outros pontos do país, de modo a diluir a maioria da etnia local e dificultar a oposição ao governo central.

Vista da cidade de Riga, capital da Letônia.

Por fim, depois de passar por todos os elementos históricos e culturais que afastam os bálticos da Rússia e os colocam próximos a Europa, é preciso analisar as vantagens da associação com europeus. Apesar da crise econômica que afeta alguns países da União Européia, diversos dados apontam que a entrada no bloco é bastante benéfico para a economia em geral. E com estas três repúblicas não foi diferente: melhora nos índices de inflação e crescimento alto do PIB. Uma vez dentro do bloco e unidos com a Europa, ficou mais difícil que a "ameaça russa" volte a rondar Estônia, Letônia e Lituânia.

Vista da cidade de Vilnius, capital da Lituânia

Olhando para a política externa das três repúblicas bálticas percebe-se uma convergência entre valores e pragmatismo, o que nem sempre ocorre em outras ocasiões. Convergência esta, que vem garantindo ótimos resultados. Apesar de ainda depender do antigo dominador em algumas áreas, como o fornecimento de gás natural, tanto Letônia, Estônia e Lituânia desfrutam não apenas dos benefícios econômicos e sociais da União Européia, mas também de um benefício circunstancial, a independência de um parceiro indesejado.


* Revisado por Letícia Simões Gomes e Marília Ramos

sábado, 10 de março de 2012

A Transição de Poder na Coréia do Norte e a Suspensão do Programa Nuclear

A agência estatal norte-coreana KCNA anunciou, há alguns dias, que o governo da Coréia do Norte suspendeu o seu programa nuclear e o lançamento de mísseis de longo alcance em troca de ajuda humanitária dos Estados Unidos, no que toca principalmente a doação de alimentos. Dessa notícia, podemos não só inferir sobre a política externa norte-coreana, como também sobre a política interna do país nesses primeiros meses de administração Kim Jong-un.

Olhando primeiramente para a política externa, pode-se interpretar a suspensão como um sinal de que a Coréia do Norte está se abrindo para um diálogo maior, especialmente com os Estados Unidos. Isso pode ser um primeiro passo para a retomada de negociações multilaterais que incluam também a Coréia do Sul, também muito ameaçados pelo programa nuclear de Pyongyang.


Kim Jong-un em meio ao alto escalão militar da Coréia do Norte. Enfraquecimento do poder político do das Forças Armadas?
Essa política contrasta fortemente com a política externa anterior, adotada por Kim Jong-Il que nos últimos 10 anos isolou o país gradualmente da comunidade internacional, criou o programa nuclear norte-coreano e aumentou os sistemas de defesa militar por volta de 20 vezes no período. Ou seja, a transição de governo norte-coreana parece não ter colocado na liderança apenas um novo nome, mas sim um novo programa de governo.

Contudo, não podemos descartar a possibilidade de uma interferência direta da China neste acordo, já que há um interesse grande dos chineses na pacificação da região. Pequim é o único aliado da Coréia do Norte e tem papel fundamental na economia norte-coreana, financiando grande parte da ajuda humanitária que o Pyongyang recebe, tanto em alimentos quanto em dinheiro.

Do ponto de vista da política interna norte-coreana, a suspensão do programa nuclear evidencia que a linha-dura do Partido Comunista está perdendo força ante uma linha mais moderada e mais preocupada com os problemas que a população sofre, como a deficiência alimentar. Ainda que haja uma pressão chinesa externa


Míssil Balístico norte-coreano. Este tipo de míssil carrega as ogivas com material atômico.
Isso responde a uma questão importante da transição de poder: se Kim Jong-un exerceria o poder de facto ou se seria manipulado pelas alas mais militarizadas do partido, que desde o princípio preferiam transferir o poder de Kim Jong-il para Jang Song-thaek, tio de Jong-un. Tratando-se Coréia do Norte, não se pode inferir nada além de especulações, mas aparentemente Kim Jong-un - tido como mais moderado - está mais atuante neste momento do que o linha-dura Jang Song-thaek - conhecido por ser muito forte nos bastidores.

O momento da transição de governo é sempre importante para sinalizar as intenções de um país no futuro. E Pyongyang parece indicar que vai seguir caminho mais aberto ao diálogo e mais preocupado com os problemas sociais do país, fruto de uma liderança mais arejada do jovem Kim Jong-un. Tomar uma decisão da magnitude de suspender o programa nuclear tão cedo é inteligente, pois transmite à sociedade internacional desde já que o novo governo está disposto a negociar e colaborar com o principal problema de segurança regional.

A unificação das Coréias ou ainda o modesto objetivo de abertura da Coréia do Norte, ainda estão distantes. Mas a entrada de Kim Jong-un e sua participação no governo parecem apontar para um primeiro passo, a retomada de negociações multilaterais com Estados Unidos e Coréia do Sul. A hipótese de a China pressionar a pacificação nas Coréias também sinaliza para a estabilidade já que tanto os aliados do Sul, quanto os do Norte, parecem estar alinhados em busca deste objetivo. Havendo negociação, há sempre a possibilidade de evolução para objetivos maiores de integração e parcerias regionais, e desta vez, parecem estar todos do mesmo lado.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A Incógnita

O país com o regime mais fechado e contraditório do mundo, a Coréia do Norte, passa por um momento no mínimo conturbado. A crescente situação de pobreza e fome permanece uma constante e agora o país perde seu "querido líder", Kim Jong-Il, morto oficialmente no último dia 17. Oficialmente o sucessor será seu filho Kim Jong-Un, contudo informações de agências internacionais dão conta de que ele dividirá o poder com o alto comando das forças armadas norte-coreanas e com seu tio, Jang Song-Taek.
                                              Kim Jong-Il, o pai
As incertezas que pairam sobre o país são grandes e se tornam ainda maiores por conta das únicas informações oficiais serem transmitidas pela rede estatal norte-coreana, duramente controlada pelo governo de Pyongyang e famosa por repassar ao mundo apenas o que é de "interesse nacional". Dentro deste contexto, fica muito difícil analisar ou prever que caminho a Coréia do Norte vai tomar, se é o da abertura gradual do sistema, ou mantê-lo fechado e isolado.

A única coisa que pode ser dada como certa é que o regime passa por uma instabilidade: desde que se iniciou a preparação para suceder seu pai, especula-se que Kim Jong-Un não é bem visto pela linha dura do comando norte-coreano, com quem dividirá o poder. Esta rixa pode ser pelos mais variados motivos, levando a um sem-fim de possibilidades de futuro. Jong-Un pode ser malvisto pelas forças armadas simplesmente por ser jovem demais (estima-se que ele tenha aproximadamente 28 anos) ou, o que seria pior para o regime e para o mundo, por divergências políticas.
Chang Song-Taek, o Tio
Tradicionalmente a linha-dura militar, não apenas da Coréia do Norte, é adepta de regimes mais fechados e hostis aos vizinhos. Não é difícil deduzir daí que os militares norte-coreanos sejam a favor de o regime se manter fechado e que se continue privilegiando os investimentos em armas e tecnologia nuclear em detrimento de, por exemplo, colocar comida na mesa da população. É certo também que a política externa de um regime militarista é muito mais hard power do que soft power, e ser mais hard power naquele país é algo extremamente perigoso. Se a postura do exército parece bem definida, a do jovem líder norte-coreano é bastante obscura, em tese ele pode ser tanto pró-militarismo, quanto ter ideias mais liberais, o que levaria a já comentada rixa política. O pouco que se sabe de Kim Jong-Un é que ele estudou na Suíça e era fã de basquete norte-americano, o bastante para se especular que ele seja mais aberto que a cúpula militar, mas ainda muito pouco para se ter certeza de qualquer coisa.

Caso haja realmente a divergência de opinião, é provável que o alto comando do exército tome as rédeas do governo e coloque Jong-Un de lado, usando de sua imagem de "querido líder" apenas para manter o controle sobre a população. Ainda há a possibilidade de Jong-Un endurecer sua postura para agradar os poderosos militares norte-coreanos, dando demonstrações de força e criando mais atritos com a Coréia do Sul e o Japão. Em ambas as situações, as tensões na região se agravariam.
                                                        Kim Jong-Un, o sucessor?
Por outro lado, uma comunhão de ideias maior entre exército e Jong-Un levaria a uma transição de poder mais tranquila, embora mantivesse o país ainda muito fechado e investindo em armas, a despeito do sofrimento do povo norte-coreano. Esta é a hipótese que a agência estatal de notícias da Coréia do Norte parece querer divulgar, segundo algumas notas recentes, e de que neste pacto político entre forças armadas, Jong-Un e Song-Taek, o jovem filho de Kim Jong-Il será o comandante supremo, inclusive das forças armadas.

Mas toda essa análise, não vale de muita coisa. Com o pouco de informação disponível que se tem, qualquer análise sobre o futuro da Coréia do Norte não passa de mero palpite. A morte de Kim Jong-Il, tão comemorada por alguns, agrava ainda mais a situação de um regime que vem ruindo desde a queda da União Soviética, em 1991. Esse fato pode levar aos mais diferentes resultados, desde uma aproximação maior com o Sul, retomando a política de sunshine, até a quebra do armistício de 27 de Julho de 1953, fazendo com que as duas Coréias entrem em guerra novamente. E tudo isso depende principalmente da vontade e da ação de um único jovem, Kim Jong-Un, e de como ele vai lidar com os conflitos dentro da cúpula do governo da Coréia do Norte.