domingo, 30 de setembro de 2012

Quem ganha com a Rússia na OMC?

No mês de julho de 2012, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou um acordo com a Organização Mundial do Comércio para o país ser o 156° membro da organização. Das 20 maiores economias do planeta, a Rússia era a única que ainda não fazia parte da OMC desde a entrada da China em 2001. O acordo, contudo, prevê um período de acomodação de alguns anos, com queda nas tarifas alfandegarias médias e liberalização de determinados setores da economia para capital estrangeiro.


Após 17 anos de negociações,  a Rússia finalmente se torna membro da Organização Mundial de Comércio.
Os consumidores - e empresas enquanto consumidoras - em geral, ganham. A economia russa tem girado em torno e dependido primordialmente de seus recursos minerais para exportação, enquanto compra bens de consumo de fora ou os produz de maneira pouco eficiente. A diminuição de tarifas fará com que estes bens importados, especialmente vindos da União Européia, tornem-se mais baratos para a população como um todo. A entrada de produtos vindos de fora a preços menores também serve como ferramenta para continuar a manutenção dos índices de inflação.

Putin espera que essa diminuição dos preços faça com que as camadas médias e altas da Rússia passem a ter maior sobra de dinheiro para investir e consumir mais. Além disso, ele espera atrair investimento externo  através da adequação às normas da OMC,  sinalizando confiança e estabilidade para os investidores. Assim, é esperado que o país desenvolva alguns setores pouco complexos economicamente e melhore sua infra-estrutura no médio prazo, inclusive tornando suas exportações mais competitivas.


Os produtores de commodities serão pouco afetados pelas regras da OMC, visto que a organização pouco regula o comércio de produtos primários ao redor do mundo. O máximo que poderia acontecer seria a redução de subsídios porém, como a produção russa no setor já é muito eficiente, é provável que o país continue a exportar muito petróleo, gás natural e derivados para os outros países europeus. O setor de armas, outro ponto forte das exportações russas, não é contemplado pela Organização.

A priori, a ampliação do livre-comércio na Rússia - com diminuição de tarifas, maior liberalização do comércio e diminuição do peso do Estado na economia - é vista de maneira louvável pelos economistas em geral. Todavia, há vozes dissonantes, tanto internas quanto externas, que acreditam que pouco irá mudar para o povo russo, ou que ainda as medidas podem levar o país a problemas de ordem socioeconômica, como desemprego. É preferível fazer uma análise mais específica, e verificar quais grupos ou países ganham e quais perdem com uma maior abertura comercial de Moscou.


Plataforma de extração de gás da Gazprom, gigante estatal da Rússia no setor. Empresas de gás e petróleo não serão tão afetadas pelos acordos comerciais com a OMC.
E do lado de fora? Os parceiros comerciais da Rússia, em especial a União Européia, comemoram. A queda nas barreiras alfandegárias abre outro mercado de mais de 140 milhões de pessoas ávidas para consumir e sem um setor produtivo eficiente. O estímulo para o crescimento vem a calhar num momento de crise intensa no continente. China, Estados Unidos e outros países exportadores de produtos industrializados também vão aumentar suas fatias no mercado russo.

Contudo, nem tudo são flores. Alguns industriais russos, especialmente do já citado setor de bens de consumo, devem sofrer pesadas consequências. O parque obsoleto - com algumas plantas da era soviética - e a mão-de-obra relativamente cara em comparação a trabalhadores de mesma qualificação ao redor do mundo, tornam alguns setores industriais extremamente ineficientes, como é o caso do setor automobilístico. A entrada massiva de produtos estrangeiros fará com que estas empresas não se sustentem deixem de existir em algum momento, elevando da taxa de desemprego. Percebemos, então, porque a principal voz opositora da entrada na OMC dentro da Rússia é o Partido Comunista, ligado a sindicatos e ao operariado em geral.



Os carros Lada se tornaram símbolo da ineficiência da indústria russa de bens de consumo.
Nesse aspecto, a Rússia tem um enorme desafio: como reacomodar a economia após o desmantelamento das sobras das indústrias de bem de consumo - com a renda extra vinda da economia dos consumidores e empresas que pagarão menos por importados - e, ainda, aumentar o índice de crescimento do PIB que está girando por volta de 2% ao ano. A principal urgência é evitar taxas altas de desemprego, para manter o consumo em níveis estáveis, e tentar evitar falências abruptas, afim de que o setor industrial de bens consiga "se transformar" em outros setores mais eficientes e condizentes com as "vantagens comparativas" russas. Tudo isso demora e não é um processo tranquilo.

A análise de ganhos e perdas feita acima é bastante simples. Mas passa uma mensagem importante: em economia, especialmente em comércio internacional, não há ganhos e perdas absolutos. Há grupos que ganham e grupos que perdem e assim será na Rússia. Os ganhos, aparentemente, parecem maiores que as perdas, principalmente no longo prazo, com a economia já acomodada. O curto prazo é mais perigoso. Uma mudança deste tamanho gera impactos expressivos na economia e, por conseguinte, perdas expressivas para alguns setores, que devem ser minimizadas.

Politicamente, a Rússia fez o que tinha que fazer. Parece cada vez mais inserida e disposta a uma integração global. Agora precisa trabalhar para mostrar que do ponto de vista econômico a decisão também foi acertada.


* Revisão por Letícia Simões Gomes e Marília Ramos